terça-feira, 31 de março de 2009

1044. PELOS CAMINHOS DE PORTUGAL (45)


Tem quase 88 anos, 75 dos quais passados atrás do balcão da “Adega da Tia Matilde”. Emílio Andrade fez da casa de pasto criada pelos pais “uma referência incontornável da gastronomia” em Lisboa, razão por que vai ser distinguido quinta-feira com a Medalha Municipal de Mérito, Grau Ouro. Emílio Augusto Andrade Júnior, filho de Matilde e Emílio Andrade, nascido em 02 de Abril de 1921, tinha apenas 12 anos quando trocou definitivamente os bancos da escola pelo negócio iniciado pelos pais em 1926, depois de muitos dias passados “com uma perna amarrada a uma mesa”, a forma que o pai tinha de garantir a sua ajuda no restaurante, enquanto os amigos jogavam à bola na rua. “Entusiasmei-me, achei que não fazia nada na escola. O meu pai teimava que não, mas eu não pensei em mais nada e quis ficar aqui”, recorda, em entrevista à Lusa. A “cozinha verdadeira portuguesa” praticada por Matilde seria continuada pela sua nora, e hoje as duas filhas do casal Emílio e Isabel também estão envolvidas no negócio de família, que é referenciado no guia Michelin, um dos mais conceituados guias internacionais sobre restaurantes e alojamentos. Ao longo do tempo, a “Adega da Tia Matilde” foi crescendo para espaços contíguos, chegando aos 150 lugares de capacidade. Ali trabalham 26 funcionários, alguns há quatro décadas. Em mais de 70 anos, Emílio Andrade viu acontecer um pouco de tudo, mas garante que nunca viu uma crise como a que o país atravessa actualmente. Não esquece momentos como aqueles em que percorria Lisboa de bicicleta para ir buscar alimentos aos armazéns da Baixa durante o racionamento na Segunda Guerra Mundial, ou de levar “o comer” aos presos políticos que eram levados para a esquadra do Rêgo, próxima do restaurante, e aos trabalhadores nas obras da zona. Tem um “filho adoptivo”, Eusébio da Silva Ferreira, que almoça no restaurante quase todos os dias e admite ter uma “doença” pelo Benfica, de que é o sócio número 68, desde Janeiro de 1934. As paredes do restaurante exibem caricaturas de frequentadores, muitos do mundo do desporto, mas também políticos e jornalistas, que ali encontram pratos típicos portugueses como mãozinhas de vitela com grão, bacalhau à Gomes de Sá, feijoada à Transmontana, cozido à portuguesa, arroz de cabidela, açorda de sável, cabrito assado, arroz de lampreia ou de sarrabulho. “São sabores que puxam o cliente para cá”, acredita o “senhor Emílio”, como é conhecido. Uns, mais do que clientes, são também amigos, compadres, afilhados. Na próxima quinta-feira, terá um dia diferente. Além de soprar 88 velas no bolo de aniversário, vai receber das mãos do presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, a Medalha Municipal de Mérito, Grau Ouro, atribuída por unanimidade pelo executivo camarário. Para a autarquia da capital, o “senhor Emílio” é “um exemplo de dedicação e disponibilidade para todos os que tentam promover Lisboa, através da gastronomia tradicional, aquela que deve ser uma imagem de marca da cidade”. A “Adega da Tia Matilde” é “uma referência incontornável da gastronomia portuguesa” em Lisboa, “alvo de vastos elogios por gerações de clientes e merecendo a unanimidade da crítica gastronómica nacional”. A distinção, considera, não é para si. Trata-se da “consagração a uma causa”. Apesar da idade, o “senhor Emílio” acredita que ainda não chegou a altura de se reformar. “Ainda não me sinto assim muito cansado nem com vontade de virar as costas”. Resta dizer que a Adega da Tia Matilde é um local de frequência obrigatória para todos os benfiquistas, de dirigentes a jogadores e adeptos.


Fonte: Lusa.

1 comentário:

Maria disse...

É verdade sim senhor. Sou testemunha ocular e gostativa, das delícias da Ti Matilde, que Deus tenha em bom lugar.
Boa comida, bom ambiente, tudo bom.
Já lá fui muito feliz, como diz o outro.