O som imponente de seis dos oito órgãos de tubos de Santarém, alguns deles representativos da escola portuguesa de organaria, volta a ouvir-se nos templos da cidade, depois de um programa de recuperação que aproveitou fundos comunitários. Desde meados de Dezembro que os órgãos, recuperados pelos mestres organeiros Dinarte Machado (das igrejas de Marvila, Misericórdia, S. Nicolau e Piedade) e Nuno Rigaud (Sé e capela de Nossa Senhora do Monte), têm vindo a ser inaugurados, num ciclo de recitais que culminará em meados de Março. Nuno Domingos, director do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Santarém, disse à Lusa que a abertura do Programa Operacional de Cultura, no último ano, a candidaturas do Vale do Tejo, permitiu obter as verbas necessárias à recuperação deste património da cidade, que vinha a ser estudado por uma comissão criada pela autarquia. De fora ficaram os dois órgãos existentes em templos que se encontram fechados (igrejas da Alcáçova e de Santa Iria da Ribeira), não cumprindo assim uma das exigências da candidatura, que obrigava ao uso dos bens recuperados, afirmou. O investimento, de 409,7 mil euros - comparticipado em 62 por cento (254 mil euros) pelo POC, através do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Regional (FEDER), sendo o restante assumido pela Diocese de Santarém e Santa Casa da Misericórdia, proprietárias dos órgãos -, obriga a que a autarquia pense agora num programa que garanta o uso frequente dos instrumentos.
Com o concerto de Março deverá ser apresentado um catálogo e folhetos relativos a cada um dos órgãos restaurados, que passarão a estar nas igrejas e que permitirão aos organistas conhecerem as características de cada instrumento e adequarem o reportório. Nuno Domingos afirmou que é intenção da autarquia dar continuidade ao ciclo que marca a inauguração dos órgãos, ao mesmo tempo que tem procurado, junto do Conservatório de Música de Santarém, "criar um guardião-mor, alguém que toque com regularidade e que zele pela conservação" deste património. Dinarte Machado, que dá os últimos retoques ao órgão da Igreja da Piedade, que será inaugurado dia 28 num recital com o organista António Duarte, disse à Lusa que, ao contrário do que se possa pensar, este é um instrumento feito "para o povo cantar". "Este não era um instrumento elitista, que chamava a si um coro e uma orquestra. O povo cantava e o organista tinha a obrigação de improvisar de acordo com as regras do canto", disse. Os três órgãos de António Xavier Machado Cerveira, existentes nas igrejas de Marvila (1817), Misericórdia (1818) e S. Nicolau (1818), que restaurou, cabem na fase final do que foi um dos fundadores da escola portuguesa de organaria, disse.
Já o órgão, de armário, que se encontra na igreja da Piedade, construído em 1795 por Joaquim António Peres Fontanes, é, para Dinarte Machado, um exemplar "lindíssimo" que encontrou "completamente descaracterizado". "Ao que me foi dito aquele era o órgão do Seminário [actual Sé], ou seja, demasiado pequeno para aquele volume de igreja e se calhar a intenção foi que o instrumento projectasse mais", pelo que foi "um assassinato autêntico visto aos olhos de hoje", afirmou. Referindo o "desafio" que foi recuperar um instrumento pequeno mas "muito equilibrado, muito dimensionado", do estado "lamentável" em que estava, Dinarte Machado frisou o prazer que lhe dá, "agora sim, oferecê-lo ao Fontanes como ele efectivamente o fez". Nuno Rigaud foi o responsável pela recuperação dos órgãos de tubos da capela da Senhora do Monte (propriedade da Misericórdia), construído no início do século XIX por autor desconhecido, e pelo da Sé, construído em 1835 pelo britânico J.C. Bishop.
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