terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

889. PELOS CAMINHOS DE PORTUGAL (21)

O último dos taberneiros do Cartaxo resiste ao progresso, assistindo nos últimos 20 anos ao desaparecimento de mais de duas dezenas de tabernas que concorriam com a sua, situada no coração da cidade. Carlos Dias, um figueirense de 73 anos de idade que há meio século adoptou o Cartaxo como sua terra, mantém a porta aberta de uma tasca tradicional, onde o vinho ainda é a estrela das vendas. Para trás, deixou os trabalhos de padeiro e de funcionário de vacaria no concelho, onde vendia leite de porta a porta. Poucos anos bastaram para que trocasse o leite pelo vinho, abrindo o seu primeiro estabelecimento, a Taberna do Paveia, que mantém há 30 anos. O nome do estabelecimento já se confunde com o seu e todos a conhecem mais como a Taberna do Carlos, procurando manter as tradições da venda do vinho a copo. “Agora, o que para aí há são cafés", desabafa o taberneiro, avesso à modernização e à conversão das tabernas, permanecendo fiel às cartolas, aos barris e aos bancos corridos. O apego a estas tradições é tal que muito do mobiliário da taberna do Museu Rural e do Vinho do Cartaxo foi recheado com peças doadas por este taberneiro. O derradeiro resistente de uma actividade que já viveu melhores dias é o único a manter à vista do cliente os barris de vinho. "Já sei que a ASAE (Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica) implica com as cartolas e, por isso, se um dia as proibirem fecho portas, o que para mim será um desgosto", confessa. Carlos Dias recorda bem os tempos áureos da sua taberna que mantinha uma clientela fiel, que se deslocava das freguesias vizinhas para vir provar o seu afamado Bacalhau Albardado. Actualmente, a ementa encolheu a par dos fregueses mas esse não é sequer um problema para o comerciante que continua a manter-se fiel à máxima de que "o melhor petisco para beber um copo é uma boa conversa". O negócio do vinho e dos petiscos também se ressente da crise. A isso soma-se a circunstância das tabernas deixarem de ser locais de convívio por excelência da sociedade local. No entanto, na sua casa, as conversas sempre fluíram sem tabus à volta de um copo de três: “sempre se falou de tudo na minha taberna, mesmo antes do 25 de Abril de 74, não havia cá censura". "Os clientes não são muitos mas vai-se andando", disse à Lusa Carlos Dias, que tem assistido a um ligeiro renovar das gerações. “Agora, já não é só a rapaziada mais antiga que cá vem mas também os mais novos que vêm beber uma cervejinha ou tomar café", acrescentou. Nos anos 70, vendia uma média de 120 litros de vinho por dia, mas agora há semanas em que não vende a mesma quantidade. "Só durante os dias da Feira dos Santos chegava a vender 15 cartolas de vinho (cerca de 2 mil litros)", recorda. Orgulha-se de ter sido o primeiro a obter autorização para vender vinho a copo e, rejeita aquilo que considera "modernices" de linguagem. “Quando me vêm pedir uma taça de vinho, digo logo que aqui não há taças só copos de vinho”, garante. O taberneiro lamenta que não haja um programa municipal que apoie a preservação das tabernas, um dos ex-libris de uma cidade que se quer afirmar como a Capital do Vinho. Quando se reformar de vez da venda a copo, a cidade do Cartaxo perde também um dos seus mais queridos símbolos.

Fonte: Lusa

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