As ruínas romanas e os vestígios da Idade do Ferro, junto ao Jardim das Portas do Sol, em Santarém, preparam-se para ser musealizadas, permitindo aos escalabitanos, e a quem as visita, "espreitaram" uma "nesga" do passado da cidade. A Alcáçova de Santarém tem-se revelado "riquíssima" para os arqueólogos, tendo as escavações actualmente em curso, no decorrer das obras de requalificação do Jardim das Portas do Sol, confirmado a presença de vestígios desde a Idade do Bronze até à época Contemporânea. Laurent Caron, do Departamento de Território, Arqueologia e Património, do Instituto Politécnico de Tomar (IPT), responsável pela escavação, disse à Lusa que os trabalhos iniciados em Setembro trouxeram à superfície uma cisterna romana "inteira", do século I, e um tanque que pode estar associado a esta estrutura, na zona exterior ao jardim. Para surpresa do grupo de arqueólogos do IPT, no interior do jardim foram encontrados enterramentos (13 corpos) do século XIII e alguns mais recentes, que podem estar associados à Igreja de Santa Maria de Alcáçova ou a uma Ermida de S. Miguel, o que não havia ainda sucedido nas escavações anteriores. "Também na primeira vala apanhámos uma parede e um piso de cerâmica e uma fossa com material islâmico. Se se confirmar, seria a primeira vez que teríamos umas estruturas habitacionais desta época na Alcáçova", disse Laurent Caron.
Nas escavações realizadas nas valas abertas no interior do jardim, os arqueólogos encontraram ainda, entre muitos outros vestígios, material, da Idade do Ferro, associado à tecelagem e à metalurgia (atribuída à função militar), num "sinal da importância que Santarém teria, ao ter fábricas de material militar no próprio sítio", disse Laurent Caron. "Encontrámos níveis da Idade do Ferro cortados na época medieval para fazer um grande aterro. Em quase toda a vala encontrámos esse aterro medieval, o que indica uma fase de planeamento do terreno nessa época", afirmou. As obras em curso no Jardim das Portas do Sol, a concluir em Junho, prevêem a musealização dos vestígios romanos e da Idade do Ferro encontrados em escavações anteriores, agora alargadas para permitir a construção da estrutura. Esta fase de trabalhos permitiu não só descobrir a cisterna romana e meia dúzia de silos islâmicos que "cortaram" muros e paredes da época romana, mas também vários níveis de uma rua romana, já detectada na escavação anterior. "Tratar-se-ia de uma zona habitada, constantemente remodelada desde a Idade do Ferro", época que se identifica num nível estratigráfico inferior e pela técnica de construção das paredes, adiantou.
No interior do jardim, na cave do restaurante, vai funcionar o Centro de Interpretação Urbiscalabis, dotado de uma mesa interactiva com a descrição dos objectos, da época de ocupação e da evolução urbana, e onde será possível recolher áudio-guias para partir à descoberta dos monumentos da cidade, disse à Lusa Pedro Pecurto, responsável pela obra. As duas estátuas do jardim - do rei D. Afonso Henriques e de homenagem ao soldado desconhecido - vão ser recuperadas por especialistas de conservação e restauro do IPT, e a cisterna romana detectada nas escavações de 1987, junto a um conjunto de silos escavados no calcário, próximo da muralha, vai poder também ser vista, depois de encontrada uma solução de protecção, dada a fragilidade da zona em que se situa. A área escavada na Alcáçova de Santarém ao longo dos anos, sobretudo nas campanhas lideradas pela arqueóloga Ana Arruda, tem possibilitado estudar a ocupação do sítio, que já se suspeitava remontar à Idade do Bronze, embora seja durante a Idade do Ferro que assume clara importância. "A época romana republicana, sobretudo nos seus momentos finais, está também muito bem documentada, o que parece natural dada a função que terá desempenhado durante o pretorado de César. Do período imperial restam abundantes testemunhos, tanto arquitectónicos como ao nível do espólio, com particular incidência no alto Império", escreveram Ana Arruda, Catarina Viegas e Patrícia Bargão num artigo na Revista Portuguesa de Arqueologia. De acordo com as arqueólogas, a ocupação islâmica foi igualmente intensa, manifestando-se sobretudo por um impressionante conjunto de silos escavados no calcário. "A longa diacronia da ocupação da Alcáçova de Santarém, e sobretudo os silos e fossas construídos durante o período muçulmano, foram, no entanto, responsáveis pelo mau estado de conservação de alguns níveis arqueológicos, muito particularmente dos que correspondem aos momentos finais da ocupação romana", acrescentam. O facto de a empresa responsável pela obra no Jardim das Portas do Sol ter feito um protocolo com o IPT para o acompanhamento arqueológico, vai permitir que, ao contrário do mero relatório que habitualmente é feito nestas situações, muitos dos achados possam ser alvo de trabalhos de investigação, adiantou Laurent Caron.
Fonte: Lusa.
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